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sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Parecer Normativo

O QUE É UM PARECER NORMATIVO ?

Com todo respeito à Procuradoria Jurídica do Município de Guararema, mas eu não entendi o que é um “parecer normativo”.

Por meio dele, a Prefeitura de Guararema constantemente tem negado que o cidadão-contribuinte (aquele que trabalha para sustentar distintos políticos e outros tantos processados pelo TCE, TCU, STF, condenados, etc) tenha acesso a cópias de contratos administrativos.

Antes de tudo, é preciso advertir que não se faz democracia sem a fórmula responsability / responsiveness.

Ensina o mestre Maurício Godinho Delgado, eminente Ministro do Tribunal Superior do Trabalho:

“É que uma das distinções básicas entre Autocracia e Democracia (ao lado da questão da liberdade) reside na questão da responsabilidade: enquanto na experiência autocrática a ideia de responsabilidade é unilateral, favorecendo apenas quem detém o poder, na experiência democrática é bilateral e dialética, envolvendo o detentor do poder institucionalizado e aquele a quem se reporte o poder. Por isso é que, nesse último caso, responsabilidade equivale a responsibility e responsiveness: quem está representando ou detendo alguma fatia de poder institucionalizado tem de responder perante seus representados, de modo institucional e permanente”.

Sem comentários.

Feita essa introdução sobre Democracia, façamos então algumas observações básicas para mostrar que, de normativo esse denominado “parecer normativo” não tem nada.

Parecer significa entendimento.

É sabido que o ato normativo (leis em geral ou decretos, etc) obriga o cidadão, afinal é lei.

Todavia, com relação aos decretos é bom observar que os ampliativos e os restritivos de direitos não representam a fiel execução da lei e ferem gravemente a rígida pirâmide hierárquica civilista.

No Direito do Trabalho, a jurisprudência aceita os decretos ampliativos como proposta interpretativa mais favorável.

As Portarias do Ministério do Trabalho, em princípio, não são atos normativos. Apenas serão atos normativos (gerais, impessoais, abstratos e obrigatórios) se houverem referências expressas em lei para que determinado assunto seja regulamentado por Portaria. Ex: artigos 192 e 193 da CLT que atribuem ao Ministério referido o encargo em definir o que é Periculosidade e Insalubridade.

Esse “parecer normativo” em comento é apenas um mero entendimento jurídico e não vincula ninguém a nada (na verdade é só uma justificativa da negação das cópias solicitadas dos contratos administrativos), até porque nos países de tradição romano-germânica ao qual se filia o Brasil, as leis em sentido formal (elaborada pelos Parlamentos) prevalecem no sistema normativo.

Sem dúvida estamos falando de leis constitucionais, ou seja, aquelas que respeitam a verticalidade do sistema normativo.

Disso decorre que leis (atos normativos ou espécies normativas) nos Brasil são apenas:

“Art. 59 CF/88. O processo legislativo compreende a elaboração de:
I - emendas à Constituição;
II - leis complementares;
III - leis ordinárias;
IV - leis delegadas;
V - medidas provisórias;
VI - decretos legislativos;
VII - resoluções.
Parágrafo único. Lei complementar disporá sobre a elaboração, redação, alteração e consolidação das leis”.

É comum o STF, na via direta, e os Juízos e Tribunais, na via de exceção, apreciar a inconstitucionalidade de leis editadas pelo Poder Legislativo e atos normativos editados pelo Poder Público (isto é, decretos).

As leis criadas na “Casinha do Povo de Guararema”, os decretos e regulamentos normativos (art. 84, IV, CF/88) municipais possuem força de lei, mas, por exemplo, não podem criar “parecer normativo” ou “espécie normativa”. Os decretos podem apenas dar fiel execução à lei.

A jurisprudência uniforme dos tribunais superiores também não tem caráter de ato-regra (lei). Quando se fala em jurisprudência uniforme estamos falando das Súmulas dos Tribunais Superiores. Elas apenas expressam certa tendência.

Diferente são as súmulas vinculantes do Supremo Tribunal Federal às quais todo o Poder Judiciário e os órgãos da Administração Pública direta e indireta, federal, estadual e municipal, devem obediência, inclusive o cidadão.

Desta forma, com o aclaramento da distinção entre ato normativo (lei em sentido formal – art. 59 CF/88) e atos administrativos editados pelo Poder Público com caráter normativo (decretos ou regulamentos normativos que apenas cumprem o papel de dar fiel execução à lei), passemos a entender um pouco da questão da publicidade dos atos da Administração Pública.

A respeito do tema, diz o artigo 37 da Constituição Federal:
“Art. 37, caput, CF/88 - A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)”.

Nota-se que o dispositivo citado traz o princípio da publicidade. Sabemos que a coerência e harmonização internas de um sistema jurídico decorrem dos princípios sobre os quais se organiza. O jurista Celso Antônio Bandeira de Mello diz:

“Violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque representa a insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irreversível a seu arcabouço e corrosão de sua estrutura mestra” (Bandeira de Mello, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 1995, p. 538).

Em continuidade ao nosso entendimento, preceitua o artigo 5º, inciso II, da Constituição Federal:
“Art. 5º, II, CF/88 - Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”.

Voltando ao tema “a publicidade dos atos administrativos e o direito à obtenção de informações dos órgãos públicos” ele está expressamente previsto no inciso XXXIII do artigo 5º da Constituição Federal:

“Art. 5º, XXXIII, CF/88 - todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado”

E como ninguém será obrigado a fazer alguma coisa senão em virtude de lei (artigo 5º, II, da Constituição Federal), o legislador federal, por meio da Lei 11.111/2005 regulamentou a parte final do disposto no inciso XXXIII do caput do art. 5º da Constituição Federal explicitando a obrigação constitucional do fornecimento de informações a qualquer cidadão.

Diz o artigo 2º da Lei 11.111/2005:

“Art. 2o O acesso aos documentos públicos de interesse particular ou de interesse coletivo ou geral será ressalvado exclusivamente nas hipóteses em que o sigilo seja ou permaneça imprescindível à segurança da sociedade e do Estado, nos termos do disposto na parte final do inciso XXXIII do caput do art. 5o da Constituição Federal”.

A lei federal que regulamentou o inciso XXXIII está falando de “acesso” a documentos públicos. Vemos que é expressão ampla que permite a obtenção de informações (artigo 5º, XXXIII, CF/88) mediante acesso aos documentos (artigo 2º da Lei 11.111/2005).

O texto é cristalino e somente não se dará o acesso a documentos públicos na hipótese de sigilo imprescindível à segurança da sociedade e do Estado. Não é o caso dos contratos administrativos.

É importante salientar, a Hermenêutica Jurídica, ciência que trata do processo de interpretação das normas jurídicas, estabelece diretrizes: onde a lei não restringe não cabe ao interprete suprimir direitos assegurados por lei.

A Lei 8.159/1991 dispõe sobre a política nacional de arquivos públicos e privados e dá outras providências.

No tocante ao prazo referido no artigo 5º, inciso XXXIII da Constituição Federal para o fornecimento das informações solicitadas, a Lei Federal 9.051/1995 estipulou o prazo improrrogável de 15 dias para a emissão da certidão solicitada:

“Art. 1º As certidões para a defesa de direitos e esclarecimentos de situações, requeridas aos órgãos da administração centralizada ou autárquica, às empresas públicas, às sociedades de economia mista e às fundações públicas da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, deverão ser expedidas no prazo improrrogável de quinze dias, contado do registro do pedido no órgão expedidor”.

Diante da inexistência de lei federal regulando a o prazo para o fornecimento de informações, diferentes prazos podem ser estipulados por leis Estaduais e Municipais. No caso de ausência de lei estipulando tal prazo, entende-se como devido o prazo de 15 dias por analogia a lei Federal 9.051/95 que regula a expedição de certidão.

O artigo 2º da Lei 9.051/1995 estabelece o único requisito exigido pela lei em questão, qual seja: que os interessados em obter as certidões apresentem as razões e finalidades dos pedidos.

“Art. 2º Nos requerimentos que objetivam a obtenção das certidões a que se refere esta lei deverão os interessados fazer constar esclarecimentos relativos aos fins e razões do pedido”.

Uma vez cumprido o único requisito fixado no art. 2º da Lei 9.051/1995 (apresentar as razões e finalidades dos pedidos), a Administração Pública, nos termos do art. 2º da Lei 11.111/2005 somente poderá tentar impedir o acesso a documentos públicos na hipótese expressamente estabelecida, qual seja: sigilo imprescindível à segurança da sociedade e do Estado. Todavia, em se tratando de certidões, cópias e acesso a contratos administrativos, parece que essa vedação nunca prevalecerá frente ao princípio constitucional da publicidade, afinal a Administração é pública.

Novamente, é salutar mencionar que, onde a lei não restringe não cabe ao interprete suprimir direitos assegurados por “lei”.

Para reforçar ainda mais o entendimento de que é impossível admitir a recusa por parte da Prefeitura de Guararema à extração e fornecimento de cópias ou acesso direto a todo e qualquer contrato administrativo, pois, com a tecnologia atual, o interessado poderá utilizar uma máquina fotográfica digital e extrair cópias de todo e qualquer contrato administrativo que desejar sem nenhum custo para a Administração Pública, segue:

Descreve o artigo 16 da Lei 8.666/93, a Lei de Licitação:
“Art. 16. Será dada publicidade, mensalmente, em órgão de divulgação oficial ou em quadro de avisos de amplo acesso público, à relação de todas as compras feitas pela Administração Direta ou Indireta, de maneira a clarificar a identificação do bem comprado, seu preço unitário, a quantidade adquirida, o nome do vendedor e o valor total da operação, podendo ser aglutinadas por itens as compras feitas com dispensa e inexigibilidade de licitação. (Redação dada pela Lei nº 8.883, de 1994).


Parágrafo único. O disposto neste artigo não se aplica aos casos de dispensa de licitação previstos no inciso IX do art. 24. (Incluído pela Lei nº 8.883, de 1994)”.

Ora!
Se o cidadão tem, mensalmente, direito a amplo acesso a dados de todas as compras feitas pela Administração Pública (com exceção do parágrafo único) então como negar cópias (o argumento da Prefeitura de Guararema é que isso gera despesas, etc) ou acesso direto aos contratos realizados para saber se o pactuado está sendo devidamente cumprido ?

A obrigatoriedade dos Prefeitos Municipais, em prestar informações aos administrados, é tamanha, que o Decreto-lei nº 201/67, no seu artigo 1º, tipifica a negativa do chefe do Poder Executivo municipal em prestar informações como “crime de responsabilidade”, sujeitos ao julgamento do Poder Judiciário:

Art. 1º São crimes de responsabilidade dos Prefeitos Municipal, sujeitos ao julgamento do Poder Judiciário, independentemente do pronunciamento da Câmara dos Vereadores:

“XV – deixar de fornecer certidões de atos ou contratos municipais dentro do prazo legal estabelecido em lei.

Parágrafo 1º. - §1º Os crimes definidos neste artigo são de ação pública, punidos os dos itens I e II, com a pena de reclusão, de dois a doze anos, e os demais, com a pena de detenção, de três meses a três anos.

Parágrafo 2º. A condenação definitiva em qualquer dos crimes definidos neste artigo acarreta a perda do cargo e a inabilitação, pelo prazo de 5 (cinco) anos, para o exercício de cargo ou função pública, eletivo ou de nomeação, sem prejuízo da reparação civil do dano causado ao patrimônio público ou particular.”

Importante observação será feita a respeito do parágrafo 1º citado.

Quando se diz que os crimes definidos neste artigo são de ação pública, significa dizer que a ação, nesse caso, será promovida pelo Ministério Público conforme o artigo 100, § 1º do Código Penal:

“Art. 100 - A ação penal é pública, salvo quando a lei expressamente a declara privativa do ofendido. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
§ 1º - A ação pública é promovida pelo Ministério Público, dependendo, quando a lei o exige, de representação do ofendido ou de requisição do Ministro da Justiça. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
§ 2º - A ação de iniciativa privada é promovida mediante queixa do ofendido ou de quem tenha qualidade para representá-lo. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
§ 3º - A ação de iniciativa privada pode intentar-se nos crimes de ação pública, se o Ministério Público não oferece denúncia no prazo legal. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
§ 4º - No caso de morte do ofendido ou de ter sido declarado ausente por decisão judicial, o direito de oferecer queixa ou de prosseguir na ação passa ao cônjuge, ascendente, descendente ou irmão. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)”. (grifos nossos).

Por fim, compete asseverar, que a doutrina, a legislação pátria e o Estado Constitucional consagram não somente os direitos de primeira geração (civis e políticos) idealizados pela Revolução Burguesa e pelo Estado Liberal, mas também os direitos de segunda, terceira e quarta geração, incluídos aí, os sagrados direitos à conservação do meio ambiente e os direitos à ampla informação, até porque sem responsability / responsiveness não há democracia, então, diante de mais essa grosseira arbitrariedade, não resta outra coisa a fazer, senão protestar!

Reginaldo Pedro Barboza.
Advogado.

“Tudo que é preciso para o triunfo do mal, é que as pessoas de bem nada façam.” (Edmund Burke)

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