Um juiz no encalço da transparência
Foi do sudoeste do Maranhão, na divisa com o
Tocantins, que o juiz Márlon Reis deu partida na campanha pela Lei da Ficha
Limpa, cuja aprovação sinalizou os ventos de maior sensibilidade à opinião
pública que hoje pressionam o Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento do
mensalão.
A lei foi só o começo. De Imperatriz, a porta de
entrada da Amazônia, onde continua a morar, o juiz empreende nova cruzada por
eleições limpas e menos corrupção na política nacional. Tenta mobilizar a
Justiça para que as doações aos candidatos das eleições municipais deste ano
sejam divulgadas durante a campanha, com base na nova Lei de Acesso à
Informação.
O juiz de 42 anos que virou uma celebridade
nacional nasceu em Pedro Afonso (TO). A mãe era professora de escola pública e
o pai, funcionário do Banco da Amazônia. Já morou em Anápolis (GO), Londrina
(PR), Alto Parnaíba (MA) e São Luís. Pai de cinco filhas, é casado pela
terceira vez com a juíza Ana Lucrécia Bezerra Sodré Reis.
Boa parte do sucesso da causa vem das redes
sociais na internet. A comunidade virtual ligada ao MCCE já chegou a ter 3
milhões de pessoas. A página da Ficha Limpa no Facebook tem 50 mil seguidores.
No Twitter, o termo Ficha Limpa liderou a lista de assuntos mais seguidos no
planeta no dia em que a lei foi sancionada sem vetos, em 4 de junho de 2010. Na
época, o tema ficou entre os dez primeiros durante três dias consecutivos no
ranking mundial na rede social. "Crescemos com as redes sociais",
diz.
Até o líder do U2, Bono Vox, quis conhecer o juiz
de Imperatriz para entender o fenômeno. No ano passado, o astro pop o convidou
para assistir a um apresentação em São Paulo. O juiz foi ao show, apenas
curioso em saber o que o vocalista do U2 tanto queria e pouco entusiasmado com
a música do grupo. "Gosto mesmo é de samba e de baião". Bono é um dos
acionistas do Facebook e queria saber como os movimentos pró-democracia
funcionavam nas redes sociais.
O juiz que tornou o processo de aprovação da Lei
da Ficha Limpa tema de estudo fora do país está nesta semana na Universidade de
Standford, no Vale do Silício, onde foi selecionado para um curso de três
semanas sobre cidadania, direitos humanos e mobilização social em países em
desenvolvimento. No curso, ele fará visitas às sedes do Facebook e do Google
para saber mais sobre o uso das redes sociais pelos movimentos por democracia.
Conectado ao mundo por uma tela de 32 polegadas
ligada a um potente computador Macintosh em casa, sem largar do telefone
celular multifuncional e do tablet, o juiz Márlon não se resume aos contatos
virtuais.
Aceita todo tipo de convite. Vale movimento
social, igreja, associação empresarial, grupo feminista, evangélico, maçonaria
e clube. "Mas a primeira coisa que eu mexo é com padre e pastor",
diz, sem deixar de lado o ecumenismo da causa. "Uma vez, um espírita
escreveu no Facebook que eu mexi com os dois mundos, o visível e o
invisível", conta.
A relação com a Igreja Católica tem a ver com o
início de seu engajamento por eleições limpas. Em 1999, foi convidado por um
bispo do Maranhão para participar de um debate sobre uma proposta contra a
compra de votos. Nunca mais abandonou o assunto.
Com facilidade para juntar gente em torno de uma
causa, criou, em 2000, comitês populares de fiscalização das eleições.
Atualmente, são mais de 350 comitês distribuídos pelo país. "E funcionam,
os políticos ficam constrangidos em cometer irregularidades. O comitê vira
assunto na cidade", diz o juiz, que já programa para agosto, quando voltar
dos Estados Unidos, a preparação do comitê das eleições de outubro de João
Lisboa, um de seus três grotões maranhenses.
Entre 2007 e 2008, quando foi assessor do então
presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e atual presidente do Supremo
Tribunal Federal (STF), o ministro Carlos Ayres Britto, organizou 1,5 mil
audiências públicas sobre transparência que chegaram a reunir, no total, 1 mil
juízes eleitorais.
Na cidade onde vive já conseguiu reunir 20 mil
pessoas em praça pública em torno do movimento contra a corrupção, o que lhe
rendeu um processo administrativo disciplinar. A oposição contra o seu modo de
atuar foi dissipada poucos anos depois, quando recebeu o prêmio Innovare devido
ao seu trabalho próximo à população.
Na origem de seu ativismo, lembra de um episódio
vivido quando enfrentou a primeira eleição como juiz eleitoral, em 1999. Um
político da cidade oferecia dinheiro em troca de voto no meio da rua a quem
passava e ainda dizia que nada iria lhe acontecer.
No dia seguinte, foram bater à porta de seu
gabinete pedindo providências. "Não tinha nada a fazer. Não existia base
legal, foi antes da lei contra a compra de votos. Fiquei com aquilo na cabeça",
conta. O caso ocorreu meses antes da aprovação da Lei 9.840, contra a compra de
votos, acatada por unanimidade pelo Congresso sob a pressão da Conferência
Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).
Em 2002, o ex-vereador e ex-petista Chico
Whitaker era secretário-executivo da comissão de Justiça e Paz da CNBB e chamou
algumas pessoas para conversar sobre corrupção nas eleições, entre eles, o
juiz. Naquele ano, depois de algumas reuniões, Márlon Reis ajudou a fundar o
MCCE.
Ao ser apresentada na CNBB, a proposta da Ficha
Limpa foi aprovada por todos os 400 bispos, o que contribuiu para a sua
disseminação popular. "A Igreja teve um papel fundamental para que a Lei
Ficha Limpa fosse conquistada", diz.
Engajamento igualmente abrangente será necessário
para que a transparência das doações vingue durante as campanhas.
Atualmente, a lei eleitoral obriga o candidato a
divulgar, duas vezes durante a campanha, apenas os valores das doações
recebidas. Pela lei, o nome dos doadores só é revelado depois de passadas as
eleições. É com mais transparência no decorrer da campanha, que Márlon acredita
ser possível ao eleitor acompanhar os lobbies que se acercam de seu candidato.
Nos três municípios de sua jurisdição - João
Lisboa, Senador La Rocque e Buritirana - Márlon determinou que os candidatos
sejam obrigados a identificar os doadores e as quantias envolvidas ao longo da
campanha. A lei eleitoral obriga apenas a divulgação pública da origem das
receitas de campanha depois da posse dos eleitos, o que impede o acompanhamento
do eleitor sobre os gastos dos candidatos antes do voto.
Márlon trabalha para ampliar a decisão para além
dos 43 mil eleitores das três pequenas cidades maranhenses. A ideia tem se
espalhado entre juízes eleitorais e procuradores do Ministério Público
Eleitoral. Alguns juízes já replicaram a medida no Tocantins e em Cáceres, no
sul do Mato Grosso.
Em Poconé, a 100 km de Cuiabá, o juiz eleitoral
determinou na semana passada que os 65 candidatos a prefeito, vice-prefeito e
vereador no município informem quem são os doadores e quanto dinheiro entrou
nas campanhas.
A iniciativa foi replicada Em Bom Jesus do
Tocantins, Rio Sono, Tupirama e Santa Maria do Tocantins, todas neste Estado,
por iniciativa do juiz Nilton Siqueira.
Há resistências. A ideia é levar o Ministério
Público a investigar as campanhas que se recusarem a enviar os dados. Mas os
candidatos podem entrar com mandados de segurança na Justiça local.
No Paraná, a corregedoria regional eleitoral
revogou iniciativa de um juiz de Londrina que buscava dar publicidade às
doações. Em Cotia, na Região Metropolitana de São Paulo, uma ação civil pública
do Movimento Voto Consciente nesta direção foi julgada improcedente pela juíza
Carla Balestreli. "Nosso objetivo é que vá parar no Supremo. Quando chegar
no STF, essa oposição cai porque ofende o princípio de publicidade", diz.
Em São Paulo, o Movimento de Combate à Corrupção
Eleitoral (MCCE), que deu suporte à Ficha Limpa, conseguiu o engajamento do
Pensamento Nacional das Bases Empresariais (PNBE), que pretende lançar uma
campanha para convencer os juízes a adotar a proposta e estuda hospedar um site
onde a informação das doações possa ser prestada pelos candidatos nas eleições
deste ano.
Na primeira eleição em que a Ficha Limpa, Márlon
vislumbra efeitos novos no mundo da política. Uma das condições de
elegibilidade da lei é a aprovação pelos tribunais de contas da União,
estaduais e municipais da gestão de administradores públicos, o que deve gerar
um número elevado de recursos judiciais por prefeitos que tentam se reeleger.
"O impacto político é até maior que o jurídico. Muitos prefeitos
desistiram de tentar a reeleição e estão colocando a mulher ou filhos como
candidatos em seus lugares", diz.
O juiz é requisitado para falar sobre o tema pelo
país afora. Entre maio e junho, nos 60 dias de férias concedidos aos
magistrados, Márlon rodou o Brasil para conversar com quem pode ajudar no
combate à corrupção eleitoral e na política.
No final da viagem, passou por São Paulo, onde
fez três palestras. Em uma delas, na capital paulista, onde também lançou o
livro "Direito Eleitoral Brasileiro", o juiz falou durante quase três
horas para um auditório lotado de 300 pessoas no Centro de Integração Empresa
Escola (CIEE). Márlon era disputado para tirar fotos ou receber cumprimentos de
uma plateia formada por colegas juízes, militantes de movimentos sociais,
estudantes e por pessoas que simplesmente apoiaram a Lei da Ficha Limpa.
A próxima luta do MCCE não é tarefa das mais
simples: pressionar o Congresso a fazer a reforma política. O alvo principal é
o financiamento privado das campanhas eleitorais, "o centro de toda
corrupção política no Brasil". O juiz defende que as empresas sejam
impedidas de doar - "Seria interessante trazer o povo para esse processo,
com uso da internet, em tempo real".
Outro bandeira que quer encampar é a mudança nas
coligações para cargos proporcionais, que apelida de "lista
clandestina". "Vou em pânico para a urna porque tenho que conhecer
todos os que fazem parte não apenas do partido, mas de toda a coligação. Porque
todos eles são beneficiados pelo meu voto", questiona.
Márlon critica as coligações, que pode fazer com
que um voto dado a determinado candidato beneficie nomes de outros partidos.
"Não temos o parlamento que merecemos porque o volume de distorções que
acontece entre a vontade do eleitor e o que chega ao Congresso Nacional é
grande", justifica. "Será que o Congresso Nacional é o retrato do que
nós somos?"
Márlon é a favor da elaboração de uma proposta de
lei ordinária para fazer a reforma política. Isso forçaria a participação do
Congresso porque uma lei ordinária não precisa de quórum mínimo para ser
votada. Quando querem evitar um tema sem levar o ônus de ter a imagem pública
arranhada, os parlamentares simplesmente faltam às sessões, em casos de lei
complementar ou de emenda constitucional. Se a proposta for apresentada por
meio de lei ordinária, o voto é aberto e basta que os presentes votem.
O juiz vê o Congresso pouco acostumado a receber
as demandas da sociedade. "As pressões que recebe são menos
republicanas", diz. No entanto, é otimista ao ser questionado se os
parlamentares votariam contra si e contra seus partidos pela reforma política. "Nada
como a pressão moral libertadora", em alusão ao movimento criado no fim
dos anos 60 por Dom Hélder Câmara contra a injustiça social em pleno regime
ditatorial.
Ele diz nunca ter sofrido ameaças por seu
ativismo, mesmo em um Estado de arraigado coronelismo. "Trato com teses
abstratas e nossa atuação é em rede. Por isso, procuro me articular cada vez
mais", diz. Sobre o presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), cuja
forte influência política no Maranhão vem de longa data, o juiz diz não ter
problemas. "Não tenho nada a falar sobre ele".
Ana Paula Grabois - De São Paulo http://www.aasp.org.br/aasp/imprensa/clipping/cli_noticia.asp?idnot=12587
“Tudo que é preciso para o
triunfo do mal, é que as pessoas de bem nada façam." (Edmund Burke)
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